A verdade, a crença e a fé
Jacques Ellul fez a distinção entre fé e crença. Crença é a afirmação
racional que descreve a realidade, o mundo que nos cerca descrito em
palavras, o conjunto de doutrinas que adotamos para organizar a
realidade e nos situarmos nela, isto é, a maneira como enxergamos o
mundo, a vida, e como devemos nos comportar de modo a que nossa
existência tenha sentido: significado e direção. Existem crenças
filosóficas, ideológicas, científicas e, principalmente, religiosas. A
crença diz respeito ao que acreditamos: que o homem é a medida de todas
as coisas, que o capitalismo é o melhor modelo econômico, que a terra
gira ao redor do sol, que Jesus Cristo é Deus, por exemplo. As religiões
estão baseadas em crenças: os muçulmanos acreditam que a revelação
definitiva de Deus foi dada a Maomé; os judeus acreditam na Lei de
Moisés; os budistas acreditam que todo ser humano pode atingir a
iluminação e se tornar um Buda. Dentro de cada sistema religioso existem
também divisões em razões de crenças diferentes. Por exemplo: os
cristãos chamados arminianos (de Jacobus Arminius), em geral, acreditam
que é possível perder a salvação, e os cristãos de tradição calvinista
(de João Calvino) acreditam que uma vez salvo, pra sempre salvo, e que
se alguém não foi para o céu é porque nunca foi salvo. As crenças têm
uma característica paradoxal: ao mesmo tempo em que aproxima as pessoas,
afastam as gentes. As pessoas se ajuntam ao redor de suas crenças,
gostam de ficar na companhia de quem tem as mesmas idéias, pratica os
mesmos rituais e se comporta de acordo com as mesmas regras morais. O
problema é que, geralmente, estas pessoas unidas pelas crenças comuns
declaram guerra a todo mundo que não concorda com elas. Quando Jesus
diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, estabelece uma nova
dimensão de relação com a verdade. A partir dessa declaração de Jesus, a
verdade não é mais uma questão de crença, pois já não se trata de
explicar e descrever a realidade de maneira racional, mas de se
relacionar com uma pessoa: o próprio Jesus. O Novo Testamento Judaico
traduz corretamente João 3.16: “Deus amou tanto o mundo que deu seu
Filho único, para que todo que nele confia possa ter vida eterna, em vez
de ser completamente destruído”. A relação com Jesus transcende a
questão da crença –acredito ou não acredito. É uma questão de fé –
confio ou não confio, entrego a ele minha vida ou não entrego. As
crenças pretendem traduzir a verdade em palavras. Mas o relacionamento
com uma pessoa será sempre maior do que sua descrição, até porque toda
pessoa é sempre maior do que as palavras conseguem descrever. Esta é a
razão porque o relacionamento com Jesus está na dimensão da fé, e não da
crença. Meu amigo Paulo Brabo, que me ajudou a entender essas coisas,
disse algo interessante: “Não tenho como recomendar a crença; sua única
façanha é nos reunir em agremiações, cada uma crendo-se mais notável do
que a outra e chamando o seu próprio ambiente corporativo de
espiritualidade. Não tenho como endossar a crença; não devo dar a
entender que a espiritualidade pode ser adequadamente transmitida
através de argumentos e explicações. Não devo buscar o conforto da
crença; o Mestre tremeu de pavor e não tinha onde reclinar a cabeça. Não
devo ouvir quem pede a tabulação da minha crença; minha fé não é aquilo
em que acredito. Nunca deixa de me surpreender que para o cristianismo
Deus não enviou para nos salvar um apanhado de recomendações ou uma
lista suficiente de crenças, mas uma pessoa. Minha espiritualidade não
deve ser vivida ou expressa de forma menos revolucionária. Não pergunte
em que acredito”. Ao que eu acrescentaria: a pessoa em quem confio –
Jesus Cristo, é mais importante do que as coisas em que acredito.
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